Nós fazemos teatro – Fernando Bonassi
“Contra a ignorância, o terror, a falta de educação, a propaganda de promessas, o conforto moral, a ordem acima do progresso, a fome, a falta de dentes, a falta de amores, o obscurantismo… nós fazemos teatro.
Fazemos teatro para dar sentido às potencialidades, pra ocupar o tempo, pra desatolar o coração, pra provocar instintos, pra fertilizar razões, por uns trocados, por uma boa bisca, porque é fundamental e porque é inútil.
Para subir na vida, para cair de quatro, para se enganar e se conhecer… contra a experiência insatisfatória; contra a natureza, se for o caso, nós fazemos teatro. Fazemos teatro para não nos tornarmos ainda pior do que somos.
Para julgar publicamente os grandes massacres do espírito. Para viabilizar a esperança humana, essa serpente…
Nós fazemos teatro de manhã, de tarde e de noite. Nós somos uma convivência de emoções, 24 horas distribuindo máscaras e raízes.
Nós fazemos teatro de tudo, o tempo todo, porque acreditamos que a vida pode ser tão expressiva quanto a obra e que devemos ter a chance de concebe-la e forni-la artisticamente. Porque estamos acordados. Porque sonhamos os nossos pesadelos.
Nós fazemos teatro apesar daqueles que, por um motivo que só pode ser estúpido, estejam “contra” o teatro.
Aliás, o que pode ser “contra” algo tão “a favor”? Nós fazemos teatro contra a mediocrização do pensamento; a desigualdade entre os iguais e a igualdade dos diferentes.
Nós fazemos teatro contra os privilégios dos assassinos de gravata, batina, jaqueta, toga, minissaia, vestido longo, farda, camiseta regata ou avental.
Contra a uniformidade, nós fazemos teatro. Nós fazemos teatro contra o mau teatro que querem fazer da realidade.
Nós fazemos teatro para explicarmo-nos – ainda que mal – e ao mal de todos nós dar algum destino menos infeliz. Nós fazemos teatro pra morrer de rir e pra morrer melhor.
Para entender o inestimável, se esfregar no infalível, resvalar na nobreza, experimentar as mais sórdidas baixezas, pra brincar de Deus…
Nós fazemos teatro, comendo o pão que os Diabos amassam, os pratos feitos que as produções financiam e os jantares que as permutas permitem. Nós temos fome da fome do teatro. Porque onde houve e há teatro, houve e há civilização.
Fazemos teatro, sim, tem gente que não faz e está morrendo, essa é que é a verdade.”
Fernando Bonassi, Escritor, roteirista, dramaturgo e cineasta