ANTÔNIA – UMA EXPERIÊNCIA DE HUMANISMO – Wilson Coêlho

Dirigido por Maria Zalém Ramiro, o documentário “Antônia”, com fotografia e montagem de Tati
Franklin, som direto de Suellen Vasconcelos, produção de Erica Carneiro e Silvio Felinto, além
de uma trilha musical original com letra de Gilson Soares, arranjos e melodia de Edivan Freitas,
percussão de Edu Szajnbrum e finalização de Marcos Coco, trata-se tanto de uma obra de
grande contribuição para a sétima arte no Espirito Santo quanto de um projeto para refletirmos
sobre a possibilidade de construção de um outro mundo.

Afirmo isso porque o documentário traz à tona uma experiência de humanismo, através da vida
e das ações da protagonista Maria Antônia Moura Silva, uma mulher negra e inspiradora da
comunidade cariaciquense, por sua atuação na Pastoral da Criança, no bairro Vista Dourada,
onde idealizou e contribuiu com a criação da Casa Sol que se tornou referência capixaba num
modelo de economia solidária.

Conforme seu depoimento, tudo começou a partir da situação de desnutrição sua filha e que,
pela condição de pobre e com poucos recursos de sobrevivência, teve que procurar socorro na
Pastoral da Criança. Nesse mesmo momento, toma a consciência de que aquele problema não
era somente seu, mas também do mundo e, em especial, de diversas famílias de seu bairro e
região. E, assim, passou a atuar como agente de pastoral, fazendo de sua casa um porto de
apoio no preparo de comidas para fornecer às crianças, contribuindo efetivamente para salvar a
vida de muitas delas, além de propiciar uma vivência comunitária e de amor entre as pessoas
de sua região.

Ampliando sua atuação no bairro, participou da organização de um grupo de artesãos para
realizarem e comercializarem seus trabalhos como forma de geração de renda para suas
famílias. Com essa prática, idealizou e contribuiu para a criação da Casa Sol, dessa forma,
impulsionando a economia solidária. Do mesmo modo, essa iniciativa acabou por ofertar
diversos cursos de formação para a comunidade, entre eles, os de confecção de “dreads” de
fibra de banana, informática, corte e costura, violão e culinária, além da torta capixaba de
umbigo de banana, substituindo o palmito que, para além da Semana Santa, passou a ser
comercializada durante todo o ano, em especial, nas feiras de economia solidária.
Ainda, através da Casa Sol, a guerreira Maria Antônia Moura Silva também é uma das
idealizadoras do Banco Sol, que atende aos moradores de Vista Dourada fazendo empréstimos
a juros módicos e, inclusive, criando uma moeda comunitária, o e-dinheiro, que facilita aos
moradores consumirem produtos e serviços em seu bairro, impulsionando o comércio da
região.

No documentário “Antônia”, entre muitas outras qualidades, destaco um grande mérito, cumpre
com sua proposta política, cultural e artística na medida exata, ou seja, sem faltar nem passar
nada. Trata-se de uma direção segura e, ao mesmo tempo, não se intromete na história,
deixando que a mesma se realize através de seus protagonistas, ou seja, Maria Antônia Moura
Silva e os moradores de seu bairro que construíram esse sonho.
O documentário “Antônia” é o segundo filme de Maria Zalém Ramiro, pois já havia dirigido o
“Mascarados – o congo de Roda D’Água e o João Bananeira” que trata da missa congueira
como um grito de basta ao racismo, bem como à LGBTfobia, à transfobia, à desigualdade
social e ao genocídio indígena. Infelizmente, não assisti a esse primeiro, mas acredito que deve
ter o mesmo vigor, considerando o seu compromisso com o resgate da cultura popular, não
como algo folclórico feito pela história oficial, mas com as digitais do povo que põe a mão na
massa.

Enfim, “Antônia”, dirigido por Maria Zalém Ramiro, com sua genial equipe, tem seu lugar na
história, não apenas como um vitorioso resultado da arte do audiovisual como possibilidade de
criar significados de mundo, mas também por garantir a fala de pessoas que a sociedade
capitalista tenta invisibilizar.

 

Wilson Coêlho é poeta, tradutor, palestrante, dramaturgo e escritor com 28 livros publicados, licenciado e bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense e Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”.  Assina a direção de 26 espetáculos montados com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas. Ao longo deste trabalho de pesquisa, o Grupo tornou-se objeto de estudo da francesa Catherine Faudry em sua tese, na Université Stendhal, Grenoble-France, intitulada “Théâtre au Brésil: Explotation des Tendances Actueles dans la Recherche d’une Communication avec le Public”. Também tem participado como jurado em concursos literários e festivais de música. Além de lançamentos e palestras, ministrou oficinas de dramaturgia em 18 estados brasileiros. Participa de diversos movimentos e eventos de teatro na América Latina, em especial, Cuba, Argentina e Chile.

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